quinta-feira, setembro 21, 2006

Quanto mais se baixa as calças....

... mais se vê o rabo.

Esta é a máxima para a concorrência desleal.

Em Portugal, está instituída uma cultura de borlas para trabalhos de Design. Os contratantes entendem que não devem pagar por estes serviços.

Se em relação ao Design 3D se consegue de alguma forma argumentar, em relação ao Design 2D as coisas complicam-se. Ninguém quer compreender que leva tempo desenvolver soluções, que estas são desenvolvidas como actividade profissional, utilizando software que alguém terá que pagar, e que a alternativa é vender papel tingido monocromático, pois daí para a frente apenas o designer é o profissional habilitado a trabalhar.

Acredito que a principal culpa desta situação não é dos clientes de design, mas dos próprios designers, por não conseguirem argumentar junto dos clientes. Os clientes limitam-se a defender da melhor forma que conseguirem os seus interesses, ao contrário da maioria dos designers.

Há uma prática de mercado comum e criminosa (punida por lei) de "Dumping", literalmente despejo para o mercado a baixos preços.

Porquê estes baixos preços? Os jovens licenciados na expectativa de acumular currículo trabalham quase pagando, para mais tarde usufruirem desta experiência acumulada. Talvez porque gostam do que fazem e não se importam de o fazer de borla. Recordo que logo à entrada o IEFP ajuda a garantir um salário de dois ordenados mínimos nacionais para licenciados.

Saem da Faculdade para estágios, os que se fartam dos estágios lançam empresas onde colocam estagiários...

Outra prática corrente é os recibos verdes. Não há alternativa para muitos profissionais. O problema é que muitos se esquecem que têm de declarar eles próprios para a Segurança Social, ficando numa situação precária sem quaisquer direitos e em caso de azares, enfim.

Agora voltando às entidades patronais, esquecem que as coisas levam tempo a fazer e assumem compromissos impossíveis. Mais uma vez a diferenciação do mercado é feita à custa dos designers que têm de trabalhar dia e noite para cumprirem prazos impossíveis. Para estes prazos serem cumpridos, a empresa de design teria de ter uma disponibilidade de meios que tornariam inviável esta rapidez de serviço.

Não há empresa de design em Portugal que não use computadores e software para o seu trabalho. É óbvio o nº de licenças piratas que para aí andam. Quem não paga licenças também não cobra para licenças.

Dados estes pressupostos, vemos claramente porque surgem os preços baixos que prejudicam essencialmente os designers.

A grande maioria não calcula preços de custo e preços de venda, não calculando preços de custo muitos pagam para trabalhar, e passam por incompetentes por não o fazerem.

Aparecem em reuniões com trabalhos e sem preços ou preços dados a olho, não negoceiam e acabam muitas vezes por apresentar o mesmo trabalho por metade do preço se o cliente insistir.

Regra geral, não se salvaguardam com cláusulas de confidencialidade, não fazem cadernos de encargos (briefing), não identificam todas as artes finais com a autoria, não registam nem tiram partido comercial do registo, entregam as artes em formatos editáveis sem receberem os valores acordados, raramente pedem entradas para iniciar os trabalhos.

Têm receio de perder clientes? Então mas todas as actividades também têm receio de perder clientes. Clientes assim que fiquem para a concorrência. Se a concorrência ficar com eles rapidamente terão um negócio insustentável.

Qualquer marca automóvel por cada hora de manutenção num veículo cobra acima dos 30 € por hora. E quem pode falar de falta de concorrência no sector automóvel? Simplesmente limitam-se a cumprir a lei e a cobrar em função dos custos que têm, e facturam.

Antes não trabalhar que trabalhar para aquecer.

Abram os olhos e valorizem o trabalho de Design!

1 comentário:

cursivo disse...

O Visto consegue identificar todas as vicissitudes da actividade profissional de um recém-licenciado. Somos (eu incluo-me nesse grupo) confrontados com a necessidade de “ganhar experiência” – leia-se realizar trabalho mal ou não pago – para podermos progredir de biscates precários para um emprego minimamente digno. Essa lógica está muitíssimo bem explicada no post do Ressabiator sobre os estágios.

A “cultura de borlas” de que fala, e que de facto existe, não é um cartel de oportunistas. É a única medida possível para pessoas que não têm outra forma de se promoverem e avançarem no mercado de trabalho para assegurar um mínimo de qualidade de vida.

Há alturas (habituais, infelizmente) em que deixa de ser uma questão de dignidade profissional e é a própria subsistência que está em jogo. Ao recusar dignamente um trabalho mal pago (defendendo assim o valor da profissão), como se garante essa subsistência se não se tem a "experiência" necessária para se candidatar a um trabalho decente? Com o subsídio de desemprego?

Os tais “empreendedores de empresas” de que fala noutro post não parecem também muito interessados em facilitar o emprego aos designers oferecendo contratos de trabalho dignos, em lugar de estágios postiços. Pior para nós.

Por mais que lhe incomode, os trabalhos orçamentados por baixo vão continuar a existir – não temos muito mais por onde escolher.

Concordo com o Visto quando defende que esta situação prejudica imenso a valorização externa do design; mas, insisto, é quase insultuoso sugerir que esta situação existe porque os designers recém-licenciados são um bando de preguiçosos sabotadores. Não vamos ser ingénuos.

(Diferenças de opinião à parte, parabéns pelo blog e pelo contributo para esta discussão. Já era bem tempo. Bem haja.)